espaço arte contemporânea

Exposições

JULIÃO SARMENTO
TIMELINE


Curadoria: Delfim Sardo

Inauguração: dia 7 de abril (sábado) às 18h.
Exposição patente até dia 19 de maio de 2018
De quarta a sábado das 15h às 20h (excepto feriados)

A fundação carmona e costa tem o prazer de apresentar no seu espaço de arte contemporânea a exposição Timeline do artista Julião Sarmento (Lisboa, 1948).

A exposição TIMELINE constitui a primeira exposição especificamente dedicada ao desenho na obra de Julião Sarmento (Lisboa, 1948). Trata-se de uma retrospectiva sintética dos seus trabalhos em desenho, cobrindo o período 1966-2017, apresentada, no entanto em sentido inverso – dos trabalhos mais recentes às obras mais recuadas – e perseguindo o léxico de signos visuais que o artista tem vindo a usar recursivamente através de 51 trabalhos. Muitos dos trabalhos expostos são agora publicamente apresentados pela primeira vez.
As obras foram escolhidas tendo em conta as suas conexões internas, propondo ao espectador um jogo de reconhecimento dos vários elementos que povoam o imaginário do artista: casas, corpos, plantas, animais, facas, mãos, por exemplo.
Por ocasião da exposição foi publicado um catálogo que inclui um número mais alargado de obras, para além de um texto pelo curador da exposição, Delfim Sardo.

Os trabalhos apresentados
A obra de Julião Sarmento não só inclui o desenho, como é toda ela guiada pela prática do desenho. As suas obras, nos diversos suportes que tem vindo a utilizar -- do filme à fotografia, à pintura ou à performance -- , decorre de um procedimento gráfico contínuo no qual uma plêiade de signos visuais – incluindo texto – recursivamente surgem. Na maior parte dos casos, esses signos possuem uma correlação textual, podendo ser nomeados com palavras que os descrevem (casas, plantas, animais, facas, corpos), outras vezes, embora mais raramente, são procedimentos gráficos híbridos que não podem ser descritos por palavras únicas (pernas/tesoura, braços/troncos) ou implicam ações (cortar, perfurar, correr, nadar).
Na sucessão de desenhos que Julião Sarmento tem vindo a realizar desde 1966, data da obra mais recuada em exposição, outra característica se cruza com a prática do desenho e que podemos descrever como colagem. A colagem é um modelo de procedimento particularmente relevante na estratégia criativa de Julião Sarmento em geral – isto é, nos vários suportes que usa -- , mas no desenho e genericamente no trabalho sobre papel adquire uma importância incontornável. No entanto, a utilização da colagem procede em paralelo com a prática do desenho de linha, logo desde o início do seu percurso, e produz tipologias estáveis de representação de objetos singulares. As coisas que são representadas são corpos de pessoas e animais, ou, mais frequentemente, segmentos de corpos, e objetos em séries que se compõem como sistemas de esgotamento aparente de uma temática.

As primeiras figurações são como que de um léxico de formas que se vão simplificando até ao surgimento de imagens muito sintéticas de objetos perfurantes que, ora são identificáveis com formas fálicas, ora com seios. Estes tópicos repetir-se- ão nos anos seguintes, sob várias formas e em várias escalas, estabelecendo um léxico que iria atravessar toda a produção gráfica de Sarmento, regressando a espaços em contextos diversos. A série seguinte de desenhos utiliza uma figuração muito mais orgânica, mais próximos da pintura, com personagens rudimentares definidas por campos cromáticos a preto, cinza, branco e terra siena queimada sobre papel de embrulho. É deste período, também, o surgimento de uma das formas que mais recorrentemente iria repetir-se, um par de meias de mulher que surgem, nestas primeiras ocorrências, isoladas, ou com inscrições. É deste período, entre 1981 e 1982, que reaparece, nos desenhos, outro dos tópicos mais persistentes da sua figuração, as figuras de animais. Os trabalhos em desenho de 1984 e 1985 viriam a introduzir um caráter narrativo que, por diversas formas, perduraria até recentemente.

Após uma incursão por desenhos abstratos, claramente ligados a pinturas do mesmo período, a série Dias de Escuro e de Luz, que inaugura a década seguinte, representa uma aparente transformação radical no desenho de Julião Sarmento, sobretudo pela enorme contenção formal e cromática, e pelo estabelecimento de uma continuidade produtiva que iria prolongar-se pelas próximas duas décadas do seu percurso. O que se passa nos desenhos que acompanham o surgimento das pinturas brancas é, no entanto, a continuação do processo anterior, agora reduzido ao osso seco do desenho, repetido, corrigido e reajustado, centrando-se sobre a possibilidade de reativar permanentemente tópicos lexicais que vinham do passado (a figura feminina, os animais, os copos, as facas), propondo uma coreografia de pequenos dramas nos quais as personagens femininas possuem sempre o poder transformador. É dessa energia que emanam as personagens femininas que nascem as constelações de tópicos que configuram a necessidade de elementos ligados à morfologia do corpo.

Uma das mais notáveis séries de desenhos de 1990 é o grande conjunto intitulado O Raio Sobre o Lápiz, em torno de Maria Gabriela Llansol, quase um mapa de grande parte das suas tipologias e de que é, pela primeira vez, apresentado um núcleo nesta exposição. A presença da casa, quer como abrigo, quer como planta, passa a ser uma presença constante nos desenhos de Julião Sarmento, cruzando-se com outros tópicos, como as referências botânicas, as citações fílmicas, ao longo dos anos 2000 até ao presente. Os trabalhos mais recentes de Julião Sarmento têm vindo a introduzir um outro dispositivo técnico, a imagem serigrafada posteriormente intervencionada. O dispositivo serigráfico seria ainda utilizado nos desenhos que derivam da obra em torno de O Naufrágio do Medusa, de Géricault, sob o título O Fim do Mundo, de 2017, que se viria a expandir para um mapeamento de referências gráficas do passado, nos quais a inclusão de texto, o recurso a reproduções de elementos da história da pintura e a tónica numa temática relacionada com a tragédia e a redenção quase apontam para uma possibilidade de explicitação da recursividade de todo o seu trabalho.

Como um permanente labirinto circular, ou um loop incessante, a produção em desenho de Julião Sarmento é toda mutuamente contemporânea, não define nenhuma sucessividade senão na necessidade descritiva de quem sobre ela escreve. E, por isso, esta exposição (e o livro que a acompanha) foi construída em sentido anti-horário, como uma linha da vida que se vê sempre a partir de um ponto de vista presente, mas que, vista daqui, não propõe nenhuma nostalgia porque tudo gravita no mesmo presente dos corpos e da sua mistura, no quem vem e no que vai, que reaparece na simultaneidade entre útero e tumba que constitui a frágil matéria de uma possível timeline.”

Delfim Sardo, Março 2018

Bruno Marchand













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